quinta-feira, 27 de junho de 2019

A Jangada do Sul



O livro "A Jangada do Sul" foi editado pela Casa Amarela em 2005 e fala sobre os três políticos gaúchos que mudaram a face do país.  Nesse trabalho, Gilberto Felisberto Vasconcelos defende a ideia de que a descolonização política a favor da soberania nacional começa com a revolução de 1930, com Getúlio, e é interrompida em 1964 com o golpe cívico/militar. O título faz referência aos três políticos gaúchos que deram concretude a essa descolonização: Getúlio, Jango e Brizola.

"A Jangada do Sul foi perseguida por um destino trágico na história do Brasil, sendo derrotada três vezes num lapso de tempo de mais ou menos uns dez anos: em 1945, com a deposição de Vargas pelos EUA; em 1954, pelo suicídio de Vargas em resposta ao cerco norte-americano; em 1964, por um golpe de Estado que começou em Washington para derrubar o presidente João Goulart, sem dúvida o acontecimento mais estúpido e nocivo para a civilização brasileira. Vietnã sem sangue, o golpe de 1964 foi concebido e materializado para eliminar o verdadeiro adversário do imperialismo: Leonel Brizola. Que teve um exílio barra-pesada. Exílio de cão".

O livro está esgotado, por isso oferecemos aqui a versão em pdf. Esse é um importante momento para reler essa obra.

Acesse aqui

terça-feira, 18 de junho de 2019

Antropofagia e Comida Multinacional



Quando os índios já estavam estropiados, muitos em processo de serem extintos, Oswald de Andrade sintetizou na antropofagia o que pensava do Brasil. Intitulou seu pensamento de antropofágico, apegando-se a esse batismo até morrer. Oswald de Andrade deu-lhe a acepção ritualística: ritual celebrado para se fortalecer com as virtudes do inimigo morto e derrotado. Quando o Brasil amanhecia entre os índios, não havia fome e, na verdade, a maior parte das tribos indígenas não tinha o hábito antropofágico. Isso não era algo sistêmico, mas Oswald de Andrade manejou a palavra antropofágica contra a evidência etnológica para realçar o exemplo de oposição, de resistência, designando com isso a atitude de não passividade do aborígene diante da invasão colonial. Existe como símbolo nessa escolha uma dupla referência: a fraqueza do homem catequizado e a denúncia psicológica sobre o câncer colonial, mais ou menos o que Glauber Rocha em meados da década de 60 fez com Lampião diante do homem fraco: “Se pedir perdão, eu mato.”

Equívoco de interpretação, tanto aqui quanto fora do Brasil, é identificar antropofagia com canibalismo. É um erro traduzir para o francês e inglês a palavra antropofagia por canibalismo. Darcy Ribeiro em A Utopia Selvagem esclareceu a semântica de canibalismo como uma armadilha colonialista, que não tem mais nada a ver com o texto de Montaigne, escrito a partir de seu encontro no século XVI com os três índios tupinambás na França. Montaigne foi lido por Oswald de Andrade na São Paulo da década de 20. Eis o que escreveu Darcy Ribeiro: “Quanto aos canibais, vamos devagar. A palavra vem da expressão Caribe, que era o nome gentílico dos pobres selvagens com que o descobridor topou em 1492 nas ilhas idílicas.” Este descobridor “andou difundindo rumores de que entre eles viveriam gentes de um olho só, com focinhos de cão, comedores de carne humana. Caribe vira Cariba, Caniba e Canibal.” É isso o que Montaigne viu em 1580, assim como Shakespeare em 1612. Canibal deu em calibã. Este “nosso avô se fode”, canibal, calibã, ao ganhar voz e civilização. Próspero o considera monstrengo, depois de roubar-lhe a ilha. Richard More não fez por aqui a revolução psíquica à Roger Bastide, paparicado pelas mães de santo no candomblé.

Em 1754 Ruçô de Genebra embarca na fama dos canibais, “proclama a bondade inata dos selvagens, funda nela a moderna pedagogia e a política científica”, segundo Darcy Ribeiro que cita Oswald de Andrade: o comunismo catiti. “Comemos com Oswald nosso repasto mais sério e severo da assunção do nosso ser, diante da estrangeirada”, sublinhou.

O legado marxista de Oswald de Andrade está na Antropologia das Civilizações de Darcy Ribeiro. Destarte, Oswald de Andrade iria aplaudir os Brizolões como a materialização pedagógica do matriarcado de Pindorama. A retomada estética de Oswald, feita durante a década de 60, desmarxixou a antropofagia. A verdade é que na visão antropofágica do mundo a dialética materialista é fundamental. Marx e Engels são citados tanto quanto Freud e Nietzsche.

E os estamentos e os executivos das multinacionais? Mas vamos ficar com a carne, com o cheiro, com o excremento do que é comido? Vamos por o FMI no tempero da nossa feijoada? O problema é que a boca banguela do povo mestiço não é a boca cheia de dentes dos índios Caetés que comeram o bispo Sardinha no século XVI. E então, vamos comer o FMI e o Banco Mundial resignando-se diante da dificuldade ou da impossibilidade de eliminá-los?


Revista Caros Amigos
Ano XIII número 145, abril de 2009
Página 10: “Gilberto Felisberto Vasconcellos mostra as armadilhas do colonialismo”
Compilação: Matheus Rosa

terça-feira, 11 de junho de 2019

O inevitável desacorde entre os militares da ativa e os da reserva a propósito do Bolsovendepátria



A angústia e a perplexidade diante da calamidade social e do desastroso governo Bolsonaro não devem nos afastar da explicação racional do fenômeno. E ir em busca da explicação histórica não é uma tarefa nada fácil.

O presidente da República é ex-capitão, mas a fonte do poder não é necessariamente militar, ainda que haja militares ocupando cargos na administração.

A ditadura multinacional de 64 venceu, venceu já no exato momento em que foi deflagrado o golpe branco.

Segundo Sylvio Massa, que estudou nas Agulhas Negras, piloto e matemático, autor do estupendo livro Marx e a Matemática, sabedor dos meandros das Forças Armadas, existe uma clivagem a demarcar os militares da ativa e os da reserva. Estes, desnacionalizados e desinformados da história militar do país, aparecem em primeiro plano, a exemplo de Mourão, Heleno, Vilas-Boas e o general que leva o beatíssimo nome de Santos Cruz. Todos eles foram para o Haiti na chamada “ajuda humanitária”, enviados por Lula e Dilma a pedido da ONU. O então ministro da Defesa era o diplomata e cinéfilo Celso Amorim.

Tomaram-se de raiva contra Lula e Dilma, e pediram a cabeça desta sem escrúpulo. O motivo seria a corrupção, mas a corrupção nunca é o verdadeiro motivo. Apoiaram entusiasmados o candidato Jair Bolsonaro. Há dúvida se brigaram com o PT e deram apoio ao capitão ou se antes aderiram ao Bolsonaro.

Houve um lance teatral com a candidata nevrosíaca Janaína Pascoal para vice. Um faz de conta. Candidata de araque, pois o general Hamilton Mourão já estava na parada.

Não foi por acaso que o general Nelson Werneck Sodré, injuriado com seus coleguinhas golpistas, escreveu sobre o regime de 64 um livro intitulado O Governo Militar Secreto.

O espectro ou o expediente bolsonaro foi gerado no Haiti com a participação da CIA. Esse conclave deu resultado eficaz porque ele foi alçado a Presidente da República pelo voto popular com episódios roliudianos como a facada fake no Parque Halfeld de Juiz de Fora, possivelmente supervisionada pelo Richelieur escatológico da Virgínia.

Com o sumiço público do candidato a comunicação foi diferida como discurso indireto. O candidato não apareceu de carne e osso, sempre indiretamente aludido através de mensagens cyberzaps enganadoras.

A manipulação funcionou junto com a providencial facada, porque sem esta a mensagem cyberzap não teria eficácia. Então não foi pela comunicação em si que se deu a proeza eleitoral. Se tudo no ex-capitão é fake, por que não será fake também a facada? Remember o fictício tiro no pé de Carlos Lacerda na rua Toneleiro em 1954 para derrubar Getúlio Vargas.

Diante do petucanismo politicamente corrompido o cowboy caipira se posicionou agressivamente, dando uma de valente contra tudo e contra todos. A valentia, como mostra a literatura de cordel, é uma virtude curtida pelo povo. O Corisco só se entrega à morte com parabelo na mão.

O desenvolvimentista Ciro Gomes não foi incisivo contra o imperialismo norte-americano, ao contrário do PDT à época de Leonel Brizola que se opunha às perdas internacionais como a causa principal de nossos males. Ao candidato Fernando Haddad que escreveu tese jurídica sobre Marx e Habermas faltou-lhe “raiva analítica”, como dizia Pier Paolo Pasolini.

De Sarney em diante as Forças Armadas estiveram na moita. Não se ouvia falar nada dos militares, apenas ouviam-se rumores que eles estavam abespinhados com o comando civil das Forças Armadas.

Eis que de súbito no cenário eleitoral surgiram os militares “pacificadores” do Haiti. Vexame para os países latino-americanos e para as Forças Armadas brasileiras. Na verdade foi uma operação desumanitária. O mesmo pode acontecer com a “ajuda” de Trump intervindo na Venezuela sob a conivência de Bernie Sanders, que francamente não pode ser comparado a Leonel Brizola.

Sanders é progressista dentro dos Estados Unidos mas fora é anti-Bolívar, ou seja, a favor da hegemonia norte americana. Enfim, em termos de justiça social, Sanders é um esquizofrênico: por fora pão bolorento, por dentro bela viola.

Os militares que foram para o piquiniqui no Haiti exibem uma característica em comum: o anti-bolivarianismo. Em outras palavras, são pró-Santander e contra Simón Bolívar. Militares alinhados à política bélica, econômica e cultural dos Estados Unidos. Não diferem em nada dos golpistas de 64, todos admiradores do cipaio Silvio Frota.

Sylvio Massa é de opinião que o entreguismo vai ser estancado dentro das Forças Armadas. Isso é uma incógnita, mas seja como for, as Forças Armadas não são um fator que move a história.

O que está subjacente nisso tudo é a educação do militar de Realengo à Academia Militar das Agulhas Negras. O que permanece é o enigma sobre a formação dos militares. O culto da apostila e não o amor aos livros.

Quais são os professores da Academia Militar? Por que as escolas militares no Brasil nunca ensejaram um Hugo Chávez? Mais vale um militar nacionalista defendendo as riquezas naturais do país que um punhado de bacharéis como Ulysses Guimarães e Tancredo Neves.

É depressiva a notícia de que o Clube Militar teria dado apoio à passeata pró Bolsonaro, o que contraria as supostas divergências entre os membros da oficialidade militar. Essa adesão do Clube Militar evidencia que Bolsonaro possui consenso dentro das Forças Armadas e que não há possibilidade alguma de discordância entre os militares da ativa e da reserva.

Não nos esqueçamos da lição dada por Nelson Werneck Sodré: a base da defesa militar é a arma, mas esta é comprada no exterior. Eis a lição histórica: nem o Exército é tropa de ocupação estrangeira, nem é vanguarda armada do povo. Então é o quê? Fato é que sem a participação das Forças Armadas o país não faz a sua autonomia nacional e sua emancipação popular. Equívoco no entanto é atribuir às Forças Armadas papel histórico vanguardeiro.

Tomara a jovem oficialidade que está na ativa venha a prestar homenagem ao grande soldado marechal Henrique Teixeira Lott, e não se deixe engambelar pela reacionária algaravia de Silvio Frota, que foi o guru liberal do ministro Augusto Heleno, o Napoleão Bonaparte de Jair Bolsonaro.

A assessoria militar de Bolsonaro está menos para Estillac Leal do que para o tosco marechal Odílio Denys. Ficou famosa a frase de Lott: “a Petrobrás é intocável”.

Dirigindo-se aos gringos, Paulo Guedes perde a compostura evocando o seu mestre Roberto Campos: “vamos vender tudo”. Esse é o homem da reforma que é pífia mesmo para a burguesia e para acumulação de capital. Ao que tudo indica, os generais da reserva são coniventes com a gangue miliciana.
O golpe de 64 foi dado com o objetivo de eliminar o caráter nacional das Forças Armadas. Essa sinistra autofagia militar culmina agora com o ex-capitão, que é considerado entre seus pares um péssimo soldado.