quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Gilberto nas Jornadas Bolivarianas



A presença de Gilberto Felisberto Vasconcellos nas Jornadas Bolivarianas é sempre luminosa. Ele falou sobre Mídia e Poder e encantou a plateia com suas histórias, eivadas de erudição, conhecimento, nacionalismo e graça. Yatan Zambiazzi, um jovem de 16 anos que acompanhou atentamente a fala do escritor, encaminhou esse comentário para o Iela, entidade promotora das jornadas: "Na verdade, ele não trouxe nada de novo, a gente já sabe o que ele traz. Mas a forma como ele disse, ele é muito imagético, caricato e divertido. Ele é muito glauberiano. As histórias dele foram o que mais valeu a pena. Ele conheceu o Glauber Rocha!!! Isso significa que eu estou a dois graus na escala de contato social com o GLAUBER ROCHA! Ah e também com o Noam Chomsky porque o Nildo conhece o Chomsky. E eu conheci o Nildo e o Gilberto! Eu almocei com eles! Eu nunca vou esquecer esse dia!”...

O Gilberto segue sendo inspiração.

quarta-feira, 18 de setembro de 2019

A necessária revisão histórica: sem o midiólogo João Carlos Guaragna não haveria Campanha da Legalidade em 1961



O presidente Jânio Quadros manteve relações comerciais com os países socialistas, se aproximou de Cuba, condecorou Che Guevara e fez o pacto de Uruguaiana com o presidente da Argentina Arturo Frondizi. Juntos Argentina e Brasil para pôr fim à rivalidade entre os dois países, rivalidade fomentada pelo imperialismo inglês e norte-americano.

O tratado de Uruguaiana pode ser visto como um prenúncio do Mercosul.

Os historiadores argentinos e uruguaios assinalam que esse tratado foi concebido por Leonel Brizola quando governador do Rio Grande do Sul. Esse é um fato pouco lembrado na história do Brasil. Em Punta Del Leste, dentre os conferencistas de vários países latino-americanos, estiveram presentes Che Guevara e Leonel Brizola.

Eu coloquei em meu livro, Depois de Leonel Brizola, uma bela foto dos dois. Leonel Brizola tinha boa relação com Jânio Quadros, inclusive o jornalista Castelo Branco relata que quando da renúncia de Jânio, Leonel Brizola não acreditou nisso. Ele achava que havia sido um golpe obrigando Jânio Quadros a abandonar o poder. Só depois (Jânio saindo de Brasília rumo ao aeroporto de Cumbica), é que Brizola conseguiu falar com o assessor de Jânio Quadros que confirmou a renúncia.

Leonel Brizola achava que o tratado de Uruguaiana estava na origem dos transtornos de Jânio com o imperialismo norte-americano, pois esse tratado retomava a aliança Vargas/Perón.  Diante desse antecedente histórico, Leonel Brizola pensou que talvez Jânio não tivesse renunciado, mas pressionado pelo imperialismo americano por causa do tratado de Uruguaiana que uniria Argentina e Brasil, e que seria uma maneira de estabelecer a unidade latino-americana. Unidade bolivariana, diria Hugo Chávez.

Com a renúncia de Jânio Quadros, começou a conspiração entre determinados setores das Forças Armadas. Os três ministros militares começaram a conspirar. João Goulart estava na China de Mao-Tse-Tung. Esses militares colocaram o veto: Jango não poderia tomar posse porque, alçado à presidência da república, iria retomar o nacionalismo getuliano. Os militares alegavam que Jango era comunista e haveria uma conturbação no país se ele viesse a ser presidente da República.

O veto foi captado em Porto Alegre pelo telegrafista João Carlos Guaragna que comunicou a notícia para Leonel Brizola. O bom e velho Guaragna tinha ouvido arguto porque, guri pobre vendedor de balas e doces no Teatro São Pedro, aprendeu a assoviar óperas de Giuseppe Verdi.

João Carlos Garagna era adorado por dona Neusa Goulart que lhe ofereceu uma viagem para conhecer a Itália. Meu amigo Beto Almeida, o jornalista da biomassa tropical, precisa tomar ciência dos horrores históricos que Guaragna fala sobre Tancredo Neves durante a Campanha da Legalidade.

O governador do Rio Grande do Sul tomou a atitude ousada: os militares golpistas querem ferir a constituição porque ela coloca claramente que uma vez o Presidente renunciando, o direito inalienável é o vice tomar posse. Então, dizia o governador, João Goulart vai tomar posse, e para isso nós vamos organizar a população para numa eventual intervenção federal no Rio Grande do Sul. Leonel Brizola no palácio do Piratini distribuiu armas para a população a fim de garantir a posse de João Goulart. Isso tudo graças à mediação midiológica de João Carlos Guaragna que escreveu um grande livro sobre Leonel Brizola em seu exílio no Uruguai.

quarta-feira, 11 de setembro de 2019

EdirJair - pesadelo evangelical gun


A palavra falada. Disk descarrego e dá um cheque para o subproletariado.

Malandragem é dizer aquilo que não faz e fazer aquilo que não diz.

O crédito pressupõe que o bom homem seja aquele que paga. Ai está o julgamento sobre a moralidade de um homem. Um homem rico dá crédito a um homem pobre supondo que este irá pagá-lo porque é um homem decente, e não um pária que não merece confiança.

O que o crente preza é a fé, a fidúcia, a quem ou de quem se fia. Crédito origina-se da palavra crer. O instituto de crédito por excelência é o banco. Qual a diferença da igreja evangélica para o banco?

O credo do crente é menos Deus que o dinheiro.

Pier Paolo Pasolini advertiu o Vaticano na década de 60: das três virtudes teologais a melhor é a caridade, não é a fé nem a esperança.

A frase é de São Paulo: “a caridade é melhor que a fé e a esperança”. Nazismo era fé e esperança, não caridade. A caridade foi substituída pelo crédito. Eis o trinômio: crédito, fé e esperança.

São Paulo fundou uma igreja, não uma religião; fundou uma instituição, não uma mística. Organização clerical. Nada pior que um fundador de igreja.

Pasolini retratou São Paulo como um esquizofrênico, um neurótico submetido à dualidade: santo e padre, gênio e corrupto.

Quanto mais miséria, mais igrejas.

A expansão evangélica corresponde ao caráter rentista e especulativo do capitalismo monopolista. O evangélico começou na cidade, não é um fenômeno camponês.

A analogia entre cristo e moeda é evidenciada pelo catolicismo (a hierarquia fundada em Deus, Cristo, santo, sacerdote), mas na igreja evangélica essa analogia é rompida com o absoluto primado monetário.

Cristo (mais este que Deus) converte-se em puro valor de troca, ou seja, a fé é dinheiro. Todo fundador de igreja, seja qual for, revive o São Paulo gestor, burocrata e empreendedor.

Loucura é insistir na disjuntiva crer ou não crer. A caridade está longe de ser uma virtude para os evangélicos. Ajudar o outro choca com o caráter egóico da esperança em salvar-se pelo dinheiro.

O aroma evangélico medra do dízimo, a velocidade inicial do capital rentista. Junta-se na mesma pessoa o barão da mídia e o Bishop em cuja personalidade o masoquismo está amalgamado com a crueldade.

Não esqueçam de Robespierre: “a liberdade de imprensa não pode ser permitida se comprometer a liberdade pública”.

Edir Macedo gosta de sublinhar o caráter sanguinário e bélico da bíblia. Não é disparate a hipótese. Edir & Jair – a chapa evangelical gun.

Para existir o fascismo gospel videofinanceiro é preciso que seja eliminada a auto-defesa dos trabalhadores.

Quando se abre uma igreja, bye-bye religião. Cada crente tem o seu Deus. É o Deus dele que não tem nada a ver com o meu. Então, o Deus é meu, pertence a mim, é minha propriedade privada. Deus é meu.

Não é Deus nosso, é Deus meu.

A igreja Universal do Reino de Deus é entusiasta de Israel sionista.

O desejo recôndito da filantropia à Rockefeller é matar todos os pobres. Estes são responsáveis pela pobreza.

O banco é o areópago da nação. Areópago era o Supremo Tribunal Federal em Atenas.
Frederico Engels: “inferno é não ganhar dinheiro”. O comércio é uma fraude legalizada. A fraternidade dos ladrões. Todo julgamento é político porque toda lei em sua origem é política. Juiz imparcial é mistificação.

Cabeça de juiz, diz o povo, é que nem coice de mula, ninguém sabe para onde vai.

Os preceitos da Constituição são sagrados, mas a constituição não é feita pelo povo.

Justiça é dinheiro: domínio do patriciado. Nepotismo de pai para filho. De avô para neto.

O judiciário reverencia os homens de haveres.

É falsa a idéia sobre a politização do judiciário. O que existe hoje de escandaloso é a telenovelização do judiciário.

Record e Globo disputam a audiência. “Tudo por dinheiro”, aforismou Silvio Santos. A TV esconde que o destino do trabalhador é trabalhar para empobrecer. Todas as TVs fazem “o comércio do dinheiro”.

Os clérigos e os magistrados usam palavras pomposas e pensamentos miseráveis. A cadeia é considerada como a casa da correção moral. Desde Caim, dizia Marx, a punição não melhorou nem intimidou o mundo.

O espírito escolástico domina os jesuítas e os bacharéis. O espírito burocrático é jesuítico teológico. Todo mundo quer ser rentista. Herdar, não trabalhar. Vender ideia. Ideia vendável. Ideia vendível.

Edir é o nosso Murdoch colocando a Rede Globo para correr. Ele tem igreja, TV e militância. 24 horas de política por dia.

segunda-feira, 9 de setembro de 2019

Duas ou quatro observações sobre o memorial do professor Nildo Ouriques



Texto de Gilberto Felisberto Vasconcelos, sobre o memorial do professor Nildo Ouriques, apresentado para a defesa do cargo de professor titular.  Gilberto fez parte da banca.

Na maioria das vezes a narrativa em primeira pessoa, nos textos de um economista, é um tédio a leitura ou senão indício de trapaça existencial, quando não juntas as duas coisas. Permitam-me aqui afirmar, em alto e bom som, que estamos com Nildo Ouriques perante uma exceção, pois ele é o único economista no Brasil que não escreve mal. Acrescente-se que não considera a linguagem uma vestimenta da ideia, e sim a ideia como expressão linguística, à semelhança daquilo que escreveu o poeta Ludovico Silva sobre o estilo de Karl Marx comparando a Beethoven.

A guinada estilística, digamos assim, é observável no momento em que escreveu no hospital o seu manual de doente aprendiz. Eis aí Nildo Ouriques a construir seu estilo, o que não é nada fácil. Sabemos que isso pressupõe a existência do homem; afinal, o estilo é o homem. Vejo que se delineia um estilo nesse memorial que esperemos não seja o último degrau no pensamento e na carreira desse notável professor, que ama como ninguém a universidade.

E que estilo é esse? Trata-se, a meu juízo, de um estilo apodíctico, sem papas na língua, direto, peremptório, resoluto, baseado no verbo de ligação, é não é, e por aí vai evocando as ideias, as pessoas, os acontecimentos.  Não é descabido considerar que esse estilo seja expressão da luta de classes, conceito onipresente em sua prosa, que é avessa aos paninhos quente conchavados nas trapaças conciliativas da classe dominante.

Reparem quão freqüentes são revelados no memorial, as rupturas, a mudanças de caminho, as pelejas dentro e fora da universidade.

Todavia injusto tê-lo como um brigão, um criador de caso; melhor e mais justo é analisá-lo sob o prisma militante de quem ficou afeiçoado, desde cedo, ao tema da biblioteca e da cultura. 
Somos informados da origem proletária de sua família: pai cobrador de ônibus; mãe operária da indústria alimentícia, depois de trabalhar em pequenos frigoríficos. Vários historiadores gaúchos apontaram a contradição entre os produtores de gados e os donos dos frigoríficos estrangeiros na origem do nacionalismo trabalhista. Não posso deixar de mencionar que nesse memorial Nildo Ouriques, interessado em juntar marxismo com nacionalismo, tece elogios ao papel revolucionário de Leonel Brizola, na razão inversa sobre a atuação de Lula na história no Brasil no tocante ao sindicato e à classe operária.

O relevo dado ao intelectual, que está entre a revolução e a prostituição, é uma constância em quem quer transformar o mundo, como figura em uma das teses sobre Feuerbach de Karl Marx e que serve de epígrafe ao memorial. No México Nildo Ouriques escreveu  dissertação de mestrado orientada pelo equatoriano Agustín Cueva, sociólogo que não por acaso estudou o avacalhamento pós-moderno da intelectualidade na América Latina.

Reputo um lance bastante afortunado ter Nildo Ouriques ingressado como professor na Universidade Federal de Santa Catarina aos 37 anos, depois de algumas andanças pela América Latina, trabalhando como colaborador de alguns jornais estrangeiros e tendo trabalhado em rádio para descolar a sobrevivência.

Há em sua personalidade um traço de gentileza com seus amigos, sem que nos esqueçamos os amigos próximos que tem sido generosos para com ele, como Elaine Tavares e Waldir Rampinelli.

Eu confesso, inteirando-me de sua estada no México privando com intelectuais de alto coturno, que senti uma nesga de inveja por ter ele convivido com tanta gente boa, o que contribuiu para torná-lo um exímio conhecedor da América Latina, não só entre sua geração como de gerações vindouras. Seguramente foi isso que o diferenciou no meio dos economistas, colocando-o no mesmo patamar do saudoso Teotônio dos Santos, o grande amigo de Rui Mauro Marini, o totem marxista cultuado por Nildo Ouriques. Este chegou a ganhar uma áspera crítica de Rui Mauro Marini por ter escrito um artigo ruim. Nildo Ouriques conta isso não em clima de humor e gozação, antes sublinha a sincera relação que deve nortear os intelectuais, sobretudo os mestres e os discípulos. A propósito dos muitos intelectuais que influenciaram sua formação bolivariana, vale aqui salientar que essa conversa interferiu no seu jeito de escrever sobre economia e ciências sociais, o que é raríssimo de acontecer entre os seus pares que, na maioria das vezes, são moucos e avessos às coisas que o povo diz. Nildo Ouriques escreve não para os economistas, ele escreve para os leitores não especializados, daí comprazer-se em citar Ortega y Gasset para quem o especialista é um bárbaro vertical.

A oralidade que medra na escrita de Nildo Ouriques leva-me a conjecturar que a economia, ciência da riqueza, não se acha na mentalidade popular, conforme mostrou Luís da Câmara Cascudo no tocante ao desdém do homem do povo pelo armazenamento de víveres e a negligência pelo dia de amanhã. O amanhã é outro dia, o amanhã a Deus pertence, atitude que está tão arraigada na psicologia dos trópicos, segundo o médico Silva Melo.

O curioso é que a diáspora latino-americana de Nildo Ouriques, que o fez desprovincianizar-se não só de Santa Catarina como dos vários brasis, não foi ensejada pelo golpe de 64 como acontecera com alguns intelectuais trabalhistas e marxistas, a exemplo de Paulo Schilling, Edmundo Moniz, Álvaro Vieira Pinto e Darcy Ribeiro, sem que se deixe de mencionar o caudilho Leonel Brizola.

Releva dizer que Nildo Ouriques é um intelectual aves-rara cada vez mais nas universidades de perfil xopicenter, porque ele leva a sério a função pública do intelectual que, como dizia Jean Paul Sartre, é aquele que mete o bedelho em todos os assuntos da tribo. Se não fosse exorbitar-me na analogia histórica, diria que Nildo Ouriques é um remanescente da POLOP contra o pop que venceu, o Brasil pop vencedor como repetia o sociólogo FHC em suas campanhas eleitorais de triste memória.

O memorial é um gênero (lembra o diplomata Aires em Machado de Assis) que pega o passado e tende a imobilizar o presente, mas no caso de Nildo Ouriques há sempre um decurso que está permanentemente em andamento – um work in progress – tal qual a pesquisa anunciada por ele sobre o rentismo que integra o rentismo videofinanceiro nas áreas dependentes.