terça-feira, 11 de junho de 2019

O inevitável desacorde entre os militares da ativa e os da reserva a propósito do Bolsovendepátria



A angústia e a perplexidade diante da calamidade social e do desastroso governo Bolsonaro não devem nos afastar da explicação racional do fenômeno. E ir em busca da explicação histórica não é uma tarefa nada fácil.

O presidente da República é ex-capitão, mas a fonte do poder não é necessariamente militar, ainda que haja militares ocupando cargos na administração.

A ditadura multinacional de 64 venceu, venceu já no exato momento em que foi deflagrado o golpe branco.

Segundo Sylvio Massa, que estudou nas Agulhas Negras, piloto e matemático, autor do estupendo livro Marx e a Matemática, sabedor dos meandros das Forças Armadas, existe uma clivagem a demarcar os militares da ativa e os da reserva. Estes, desnacionalizados e desinformados da história militar do país, aparecem em primeiro plano, a exemplo de Mourão, Heleno, Vilas-Boas e o general que leva o beatíssimo nome de Santos Cruz. Todos eles foram para o Haiti na chamada “ajuda humanitária”, enviados por Lula e Dilma a pedido da ONU. O então ministro da Defesa era o diplomata e cinéfilo Celso Amorim.

Tomaram-se de raiva contra Lula e Dilma, e pediram a cabeça desta sem escrúpulo. O motivo seria a corrupção, mas a corrupção nunca é o verdadeiro motivo. Apoiaram entusiasmados o candidato Jair Bolsonaro. Há dúvida se brigaram com o PT e deram apoio ao capitão ou se antes aderiram ao Bolsonaro.

Houve um lance teatral com a candidata nevrosíaca Janaína Pascoal para vice. Um faz de conta. Candidata de araque, pois o general Hamilton Mourão já estava na parada.

Não foi por acaso que o general Nelson Werneck Sodré, injuriado com seus coleguinhas golpistas, escreveu sobre o regime de 64 um livro intitulado O Governo Militar Secreto.

O espectro ou o expediente bolsonaro foi gerado no Haiti com a participação da CIA. Esse conclave deu resultado eficaz porque ele foi alçado a Presidente da República pelo voto popular com episódios roliudianos como a facada fake no Parque Halfeld de Juiz de Fora, possivelmente supervisionada pelo Richelieur escatológico da Virgínia.

Com o sumiço público do candidato a comunicação foi diferida como discurso indireto. O candidato não apareceu de carne e osso, sempre indiretamente aludido através de mensagens cyberzaps enganadoras.

A manipulação funcionou junto com a providencial facada, porque sem esta a mensagem cyberzap não teria eficácia. Então não foi pela comunicação em si que se deu a proeza eleitoral. Se tudo no ex-capitão é fake, por que não será fake também a facada? Remember o fictício tiro no pé de Carlos Lacerda na rua Toneleiro em 1954 para derrubar Getúlio Vargas.

Diante do petucanismo politicamente corrompido o cowboy caipira se posicionou agressivamente, dando uma de valente contra tudo e contra todos. A valentia, como mostra a literatura de cordel, é uma virtude curtida pelo povo. O Corisco só se entrega à morte com parabelo na mão.

O desenvolvimentista Ciro Gomes não foi incisivo contra o imperialismo norte-americano, ao contrário do PDT à época de Leonel Brizola que se opunha às perdas internacionais como a causa principal de nossos males. Ao candidato Fernando Haddad que escreveu tese jurídica sobre Marx e Habermas faltou-lhe “raiva analítica”, como dizia Pier Paolo Pasolini.

De Sarney em diante as Forças Armadas estiveram na moita. Não se ouvia falar nada dos militares, apenas ouviam-se rumores que eles estavam abespinhados com o comando civil das Forças Armadas.

Eis que de súbito no cenário eleitoral surgiram os militares “pacificadores” do Haiti. Vexame para os países latino-americanos e para as Forças Armadas brasileiras. Na verdade foi uma operação desumanitária. O mesmo pode acontecer com a “ajuda” de Trump intervindo na Venezuela sob a conivência de Bernie Sanders, que francamente não pode ser comparado a Leonel Brizola.

Sanders é progressista dentro dos Estados Unidos mas fora é anti-Bolívar, ou seja, a favor da hegemonia norte americana. Enfim, em termos de justiça social, Sanders é um esquizofrênico: por fora pão bolorento, por dentro bela viola.

Os militares que foram para o piquiniqui no Haiti exibem uma característica em comum: o anti-bolivarianismo. Em outras palavras, são pró-Santander e contra Simón Bolívar. Militares alinhados à política bélica, econômica e cultural dos Estados Unidos. Não diferem em nada dos golpistas de 64, todos admiradores do cipaio Silvio Frota.

Sylvio Massa é de opinião que o entreguismo vai ser estancado dentro das Forças Armadas. Isso é uma incógnita, mas seja como for, as Forças Armadas não são um fator que move a história.

O que está subjacente nisso tudo é a educação do militar de Realengo à Academia Militar das Agulhas Negras. O que permanece é o enigma sobre a formação dos militares. O culto da apostila e não o amor aos livros.

Quais são os professores da Academia Militar? Por que as escolas militares no Brasil nunca ensejaram um Hugo Chávez? Mais vale um militar nacionalista defendendo as riquezas naturais do país que um punhado de bacharéis como Ulysses Guimarães e Tancredo Neves.

É depressiva a notícia de que o Clube Militar teria dado apoio à passeata pró Bolsonaro, o que contraria as supostas divergências entre os membros da oficialidade militar. Essa adesão do Clube Militar evidencia que Bolsonaro possui consenso dentro das Forças Armadas e que não há possibilidade alguma de discordância entre os militares da ativa e da reserva.

Não nos esqueçamos da lição dada por Nelson Werneck Sodré: a base da defesa militar é a arma, mas esta é comprada no exterior. Eis a lição histórica: nem o Exército é tropa de ocupação estrangeira, nem é vanguarda armada do povo. Então é o quê? Fato é que sem a participação das Forças Armadas o país não faz a sua autonomia nacional e sua emancipação popular. Equívoco no entanto é atribuir às Forças Armadas papel histórico vanguardeiro.

Tomara a jovem oficialidade que está na ativa venha a prestar homenagem ao grande soldado marechal Henrique Teixeira Lott, e não se deixe engambelar pela reacionária algaravia de Silvio Frota, que foi o guru liberal do ministro Augusto Heleno, o Napoleão Bonaparte de Jair Bolsonaro.

A assessoria militar de Bolsonaro está menos para Estillac Leal do que para o tosco marechal Odílio Denys. Ficou famosa a frase de Lott: “a Petrobrás é intocável”.

Dirigindo-se aos gringos, Paulo Guedes perde a compostura evocando o seu mestre Roberto Campos: “vamos vender tudo”. Esse é o homem da reforma que é pífia mesmo para a burguesia e para acumulação de capital. Ao que tudo indica, os generais da reserva são coniventes com a gangue miliciana.
O golpe de 64 foi dado com o objetivo de eliminar o caráter nacional das Forças Armadas. Essa sinistra autofagia militar culmina agora com o ex-capitão, que é considerado entre seus pares um péssimo soldado.





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