domingo, 15 de março de 2020

A revolução brasileira tematizada por Nildo Ouriques: ou massa ou classe social ou ambas?



Da teoria da dependência a mais importante lição é que a estrutura de classes do país mantém conexão com as condições histórico-mundiais, e que portanto é o geral que prevalece sobre o particular.

O regime político de 64 até hoje não alterou o modelo econômico for export. Tudo ou quase tudo para fora.

O conflito burguês interclassista (burguesia local contra burguesia estrangeira) quase inexiste. O capital estrangeiro sempre se dá bem. Nossa integração subalterna ao sistema econômico mundial é sagrada. Todos estão de acordo, Frias, Mesquita, Saad, Macedo, Civita, Marinho.

Somos todos Chicago boys.

A revolução socialista deve ser concebida através da contradição entre a força de trabalho e a concentração de capital nacional e estrangeiro. Como mobilizar essa força de trabalho contra os seus inimigos de classe? Que classe social terá condições de nacionalizar o país e com isso trazer o bem-estar para o povo? A Reforma do despachante Paulo Guedes é o adeus definitivo ao bem-estar social.
A visão tecnocrática da burguesia é que todos os problemas se resolvem pela ciência e pela técnica.

Diante do pauperismo avassalador apela-se para polícia e Exército. Essa é a política da classe dominante na versão Pinochet-Médici-Bolsonaro, que se conflui com o ex-Alkimin, o Dória Grey da Mario’s Covas Family que é também portador da utopia Taurus.

A imprensa e a classe média entoam o estribilho de que o país está eternamente condenado por causa da corrupção dos políticos. Todos estão convencidos da inviabilidade das instituições democráticas e o imperativo de enraizar o poder na polícia, por isso Sergio Moro é a estrela que sobe, correspondente ao Pinochet boy Paulo Guedes. Todos protegidos pelo judiciário e que não têm medo de mobilizações populares. O povo é capacho e covarde.

Nesse contexto surge Nildo Ouriques do Psol e propõe a ruptura através de uma (ainda vaga e imprecisa) revolução brasileira que não conta com a participação de nenhum setor da burguesia local. Nesse aspecto repisa o que diziam os seus mestres Rui Mauro Marini e Gunder Frank acerca da burguesia local, leão de chácara da burguesia metropolitana. A revolução brasileira não deve contar (o que seria um sinal de irrealismo) com um suposto conflito interclassista entre as burguesias locais e imperialistas.

O que fazer do ponto de vista da mobilização política com a massa marginal, urbana e rural, que corresponde a mais da metade da população? Não há como absorvê-la nem submetê-la ao regime salarial, à “disciplina salarial” como dizia Roberto Campos, o guru de todos os economistas reacionários e genocidas. O destino da escória social é a prisão ou o extermínio à Jair Bolsonaro.

A reprodução dependente da acumulação de capital não pode prescindir da progressiva repressão. A teoria da revolução brasileira não tem dado atenção à questão rural, ou seja, à multinacionalização do campo. O termo agrobusiness surgiu em Harvard. Hoje a capitania hereditária é multinacional. Leonel Brizola já dizia, chamando atenção do grande burguês de Santa Catarina, Bornhausen, que quase não havia mais brasileiro proprietário de terra.

O mérito de Nildo Ouriques é mais do que insurgir contra o complexo cultural de inferioridade, que foi objeto de análise de Nelson Werneck Sodré, Álvaro Vieira Pinto, Darcy Ribeiro, Glauber Rocha. O seu grande mérito é recusar a melancolia impotente da esquerda que abdicou da vontade de transformar o país.  A maioria dos intelectuais não acredita na capacidade revolucionária do proletariado nem no pobretário sem eira nem beira. Não quero com isso cometer injustiça que seria enaltecer o Nildo Ouriques ético, mas quanto ao teórico revolucionário economizar elogios.

Em sua militância haveria a vontade revolucionária, mas não a razão de ser revolucionário no que tange às demandas sociais e de classe. Afinal, quem detém o saber da transformação da sociedade brasileira? Tão importante quanto às classes sociais a favor ou contra, é a liderança, isto é, o “caudilho” em um partido com direção revolucionária para guiar o povo.

O reformismo socialmente genocida de Paulo Guedes é a interação entre o neoliberalismo rentista e a superexploração do trabalho com a massa crescente de pobretário, ou seja, as camadas abaixo do proletariado.

A era miliciana substitui o bacharel Carlos Lacerda. Este foi substituído pelo tipo rufião, vereador, deputado, senador. O Rio de Janeiro é a vanguarda de pastores evangélicos com policiais milicianos sob a guarida do ministério da Justiça. O sadismo político da família bolsonara está amparado na crueldade do nababo Trump. Ninguém tasca os fratelli mimados da Barra da Tijuca que sob proteção dos militares que excursionaram no Haiti lendo as obras completas de Olavo de Carvalho.

A classe média e os setores populares dão trela à demonização da Venezuela feita por Sérgio Moro. Com exceção de Maduro, a América Latina inteira está amiguinha do imperialismo norte-americano com os sucessivos golpes jurídicos no Paraguay, Honduras e Brasil. Dilma, diferente de Jango, não ensaiou nenhuma atitude contra os EUA, mas estes deram sustentáculo imediato ao golpismo de Michel Temer.

Lula no xilindró. Bolsonaro eternamente grato ao Juiz Sérgio Moro. Trump sabe que tem um acólito na América Latina. É difícil afirmar que exista burguesia bolsonara que quer lucrar sem produzir nada. Os evangélicos de terno tergal abandonam sua demagogia pacífica para defender o extermínio praticado por Messias Bolsonaro e Edir Macedo. O signo criminal é onipresente.

A perspectiva de um “mondo migliore” não existe. A novidade é assumir sem disfarce o genocídio, o que pressupõe que stores da população defendam o extermínio social dos que não conseguem arrumar um lugar no mercado. Essa é a psicologia cafajeste do extermínio que ressoa na reforma da previdência de Guedes. O campo de concentração sem concentração divide a herança espermática: quem deve ou não deve desaparecer. A matança dos pobres. O modelo vem das Filipinas com o presidente Rodrigo Duterte. Eu já ouvi classe média na banca de jornal dizendo que bom não seria o corona vírus tomar conta da favela, aí haveria uma bela limpeza. De resto, limpeza é o vocábulo mais adorado pela gangue bolsonara. Limpeza no sentido hitleriano.

A submissão ridícula ao imperialismo atingiu o paroxismo com o episódio do filho do presidente que almejou o cargo de embaixador nos EUA.

Peça essencial do triunfo de Jair Bolsonaro foi Sergio Moro a visitar Harvard pela primeira vez em 1998. Graças ao mensalão de 2004 o juiz de Maringá ganhou nomeada, tornando-se sex symbol da classe média e prodígio do Departament of Justice em 2009.

Pasolini dizia que o sucesso é a outra face da persecuzione.

Nildo Ouriques contesta que Bolsonaro seja fascista, colocando em pauta esse fenômeno mais complexo da história no século XX: o fascismo.

Trotsky dizia que havia conexão entre o fascismo e o stalinismo, mas uma coisa não era idêntica a outra. Para Nildo Ouriques, Bolsonaro não é fascista, é neoliberal pesado, neoliberal obscurantista, neoliberal truculento. É importante explicar isso porque para o povo o sujeito liberal é o boa praça, flexível, gente boa, que não é dogmático, que não é turrão ou cabeça dura.

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