quarta-feira, 22 de maio de 2019

Darcy or not Darcy, that’s the question




Em espanhol, La memoria de las memorias, chama-se o livro lindo da professora Haydeé Coelho sobre o exílio de Darcy Ribeiro no Uruguai. O exílio intelectualmente mais fecundo e profícuo da América Latina: quatro livros geniais, 2.000 páginas de 1964 a 1971.

Haydée o estuda na perspectiva certa, a bolivariana, sob o ângulo da Pátria Grande: edificar uma federação de Estados nacionais latino-americanos para se opor à Norte-Americana.

Darcy Ribeiro é o maior antropólogo da história da antropologia em escala universal. Não tem para ninguém. Por que afirmo isso? Ele fez a antropologia do continente latino-americano, sem deixar de trazer reflexões agudíssimas sobre os EUA, Canadá, como reconheceu a arqueóloga Betty Maggers, que traduziu O Processo Civilizatório para o inglês.

Haydée entrevistou em Montevidéu o brilhante antropólogo Renzo Pi Hugarte, ex-aluno de Darcy e tradutor de seus livros para o espanhol. Quem mais o conhece pelas entranhas filológicas e antropológicas. Renzo deu o melhor e mais profundo depoimento sobre seu amigo. Comovente. Profundo. Crítico. Talvez só um uruguaio poderia tê-lo feito. Uma beleza.

Um sedutor

Darcy era um professor nato. A aula ficava lotada. Um sedutor de mulheres e de homens. Falava muito bem. Era empolgado. Nada brochildo, tal qual acontece com a maioria da professorança universitária. Um teórico e um pesquisador de campo. Viu índio de carne e osso, e não apenas através de fotos. Dormia pouco. Trabalhava muito. Escrevia descalço. Sentava-se acocorado que nem caboclo. As idéias vinham-lhe em tempestade. Inventor de conceitos. Teve ajuda iluminada de sua mulher Berta, etnóloga exemplar, poliglota, romena, que chegou órfã em São Paulo, marxista. Darcy e Berta tiveram lua-de-mel no mato, e não no motel, entre os índios urubus-caapores. Caso único entre os antropólogos.

Ambos tiveram câncer. O de Darcy foi no pulmão, o de Berta no cérebro. Maldita doença.

Em Montevidéu, Darcy conviveu com os brasileiros Jango, Paulo Shelling, Glauber, Waldir Pires, Décio Freitas. Não teve é contato com Leonel Brizola, então distante por causa da briga com Jango. Os dois políticos ficaram sem se falar durante onze anos.

Na época de Montevidéu, Darcy ainda não tinha sólida formação marxista, mas com o tempo converteu-se no herdeiro de Marx como teórico do subdesenvolvimento e dos povos atrasados e espoliados.

O professor Baldus, em São Paulo, na década de 40, fez a cabeça de Darcy e Lévi-Strauss, o qual perde no entanto em quilometragem etnológica.

Baldus apresentou Darcy a Rondon.

Apesar de incursionar por outras veredas, Roger Bastide apreciava a obra teórica de Darcy Ribeiro, que nunca embarcou nas modas e modismos made in USA e Oropa.

Silêncio infame

Foi uma dádiva para o anticolonialismo nas ciências sociais Darcy não ter estudado na Europa nem nos Estados Unidos, mas conhecia em profundidade os maiores autores europeus e norte-americanos. Dona Margaret Mead foi lá visitá-lo. Deslumbrou-se com alguns capítulos de As Américas e a Civilização.

Enquanto isso, nas bandas de cá, ninguém falava dele nos cursos de ciências sociais. Silêncio infame. Criminal. Como se fosse responsável pelo golpe de 64. Mas sabotaram-no foi por inveja e mesquinharia. Ele era o the best one. Por causa desse boicote, FHC se fez presidente da República. Um dia algum pesquisador idôneo irá revelar o paralelismo Darcy-FHC. Quase todos os professores comeram mosca.

Do Canadá, Florestan Fernandes, Florestão, trocou cartas com Darcy. Foi o único, mas não furou o bloqueio da USP. A Cepal calou o bico, o Museu Nacional cuidou das couves, Sérgio Buarque de Holanda e Antônio Cândido estavam em outras.

Na Venezuela plantou a semente de Hugo Chávez. Infelizmente não cruzou por lá com Ludovico Silva, tradutor de O Estilo Literário de Karl Marx.

Revista Caros Amigos
Ano XI número 132, março de 2008
Página 37: “Gilberto Felisberto Vasconcellos narra o exílio de DARCY RIBEIRO”
Compilação: Matheus Rosa.


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